Artículo de Revisión

Revista Internacional de Ciencias Sociales

ISSN 2955-8921 e-ISSN 2955-8778

Vol. 4, No. 2, Mayo – Agosto, 2025

Recibido: 30/03/25; Revisado: 20/04/25; Aceptado: 10/06/25; Publicado: 22/06/25

DOI: https://doi.org/10.57188/RICSO.2025.726

 

 

Luta ou Fuga no Espectro Autista: Uma Análise Comparativa dos Mecanismos Primitivos do Cérebro Reptiliano e a Agressividade em Crianças Não Verbais de Níveis de Suporte 2 e 3

 

Adriel Pereira da Silva*

Centro de Pesquisa e Análises Heráclito (CPAH), Brasil

 

Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues

Centro de Pesquisa e Análises Heráclito (CPAH), Brasil

 

Resumo

 

O comportamento agressivo em crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), particularmente em indivíduos não verbais com níveis de suporte 2 e 3, representa um desafio significativo para pais, cuidadores e profissionais. Este artigo explora uma perspectiva neurobiológica, analisando e comparando essas manifestações agressivas com os mecanismos de luta ou fuga inatos do cérebro reptiliano. Propõe-se que, na ausência de comunicação verbal funcional e devido a desafios no processamento sensorial e na regulação emocional inerentes ao TEA, esses indivíduos podem recorrer a respostas primitivas de autoproteção quando confrontados com frustrações, sobrecarga sensorial ou demandas que não conseguem processar ou comunicar. A compreensão desses comportamentos através da lente evolutiva do cérebro reptiliano pode informar estratégias de intervenção mais eficazes, focadas na redução de gatilhos, na promoção de comunicação alternativa e no desenvolvimento de habilidades de autorregulação

Palavras-chave: Autismo; Agressividade; Cérebro Reptiliano; Luta ou Fuga; Comunicação Não Verbal; Níveis de Suporte 2 e 3.

 

 

 

 

 

Fight or Flight on the Autism Spectrum: A Comparative Analysis of Primitive Reptilian Brain Mechanisms and Aggression in Nonverbal Children at Support Levels 2 and 3

 

Abstract

Aggressive behavior in children with Autism Spectrum Disorder (ASD), particularly in nonverbal individuals with support levels 2 and 3, poses a significant challenge for parents, caregivers, and professionals. This article explores a neurobiological perspective, analyzing and comparing these aggressive manifestations with the innate fight-or-flight mechanisms of the reptilian brain. It is proposed that, in the absence of functional verbal communication and due to challenges in sensory processing and emotional regulation inherent in ASD, these individuals may resort to primitive self-protective responses when confronted with frustrations, sensory overload, or demands that they are unable to process or communicate. Understanding these behaviors through the evolutionary lens of the reptilian brain can inform more effective intervention strategies focused on reducing triggers, promoting alternative communication, and developing self-regulation skills.

Keywords: Autism; Aggression; Reptilian Brain; Fight or Flight; Nonverbal Communication; Support Levels 2 and 3

 

Lucha o huida en el espectro autista: un análisis comparativo de los mecanismos primitivos del cerebro reptiliano y la agresividad en niños no verbales de los niveles de apoyo 2 y 3

 

Resumen

 

El comportamiento agresivo en niños con trastorno del espectro autista (TEA), especialmente en individuos no verbales con niveles de apoyo 2 y 3, representa un reto significativo para padres, cuidadores y profesionales. Este artículo explora una perspectiva neurobiológica, analizando y comparando estas manifestaciones agresivas con los mecanismos innatos de lucha o huida del cerebro reptiliano. Se propone que, en ausencia de comunicación verbal funcional y debido a los desafíos en el procesamiento sensorial y la regulación emocional inherentes al TEA, estos individuos pueden recurrir a respuestas primitivas de autoprotección cuando se enfrentan a frustraciones, sobrecarga sensorial o demandas que no pueden procesar o comunicar. La comprensión de estos comportamientos a través de la lente evolutiva del cerebro reptiliano puede informar estrategias de intervención más eficaces, centradas en la reducción de los desencadenantes, la promoción de la comunicación alternativa y el desarrollo de habilidades de autorregulación.

Palabras clave: Autismo; Agresividad; Cerebro reptiliano; Lucha o huida; Comunicación no verbal; Niveles de apoyo 2 y 3.

1. Introdução

 

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento caracterizada por déficits persistentes na comunicação social e interação social, e por padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades (American Psychiatric Association [APA], 2013). A heterogeneidade do TEA é reconhecida pelos níveis de suporte, que variam de 1 (necessitando de pouco suporte) a 3 (necessitando de suporte muito substancial). Crianças autistas não verbais, especialmente aquelas nos níveis de suporte 2 e 3, frequentemente apresentam comportamentos desafiadores, incluindo agressividade, que podem ser difíceis de compreender e manejar (McCabe & MacCallum, 2008).

 

A agressividade em crianças com TEA pode se manifestar como autoagressão (bater a cabeça, morder-se) ou agressão dirigida a outros (empurrar, morder, socar), e muitas vezes surge em resposta à frustração, mudanças na rotina, sobrecarga sensorial, ou demandas sociais e comunicativas (Kolstad et al., 2012). Tradicionalmente, esses comportamentos são abordados sob uma ótica comportamental. No entanto, uma compreensão mais aprofundada dos mecanismos neurobiológicos subjacentes pode oferecer novas perspectivas para intervenção.

 

Este artigo propõe uma análise comparativa entre as respostas agressivas em crianças autistas não verbais de níveis de suporte 2 e 3 e os mecanismos de "luta ou fuga" inerentes ao cérebro reptiliano, a parte mais primitiva do cérebro humano. Ao explorar essa ligação, busca-se lançar luz sobre a origem desses comportamentos e sugerir abordagens mais eficazes para seu manejo.

 

 

2. O Cérebro Reptiliano e a Resposta de Luta ou Fuga

 

O conceito de "cérebro trino", proposto por Paul MacLean, divide o cérebro em três camadas evolutivas: o cérebro reptiliano que abrange as estruturas cerebrais mais antigas, vitais para a sobrevivência, incluindo comportamentos instintivos e a regulação de funções essenciais como a respiração e a temperatura corporal; o sistema límbico ou (cérebro paleomamífero), emergindo em uma fase evolutiva posterior ao cérebro reptiliano, esta parte do encéfalo é crucial para o processamento de emoções, a formação da memória e a modulação do comportamento social, englobando também a capacidade de reconhecer e interpretar expressões faciais; e por fim o neocórtex ou (cérebro neomamífero) que corresponde a camada cerebral mais recentemente desenvolvida, encarregada de funções cognitivas complexas, tais como raciocínio lógico, linguagem, pensamento abstrato, capacidade de tomar decisões e planejamento estratégico (Maclean, 1990). O cérebro reptiliano, a estrutura mais antiga e fundamental, é responsável então pelas funções básicas de sobrevivência, como respiração, batimentos cardíacos, e as respostas instintivas de autoproteção: luta, fuga ou congelamento (Friedmas et al., 2023).

Quando um organismo percebe uma ameaça, o cérebro reptiliano, em conjunto com o tronco encefálico e o cerebelo, ativa uma cascata de respostas fisiológicas mediadas pelo sistema nervoso autônomo. Hormônios como adrenalina e cortisol são liberados, preparando o corpo para reagir rapidamente: o coração acelera, a respiração se torna ofegante, os músculos se tensionam. Essa resposta é automática, instintiva e não requer processamento cognitivo complexo. É uma estratégia de sobrevivência essencial que garantiu a perpetuação da espécie ao longo da evolução (LeDoux, 2015).

 

Em contextos de estresse ou percepção de perigo, mesmo que o perigo não seja real ou tangível, o cérebro reptiliano pode disparar essas respostas. Em seres humanos, o neocórtex, a parte mais evoluída do cérebro, normalmente modula e inibe essas respostas primitivas, permitindo uma análise racional da situação e a escolha de respostas mais adaptativas. No entanto, em certas condições, essa modulação pode ser comprometida.

 

3. Agressividade em Crianças Autistas Não Verbais de Níveis de Suporte 2 e 3

 

Crianças com TEA, especialmente aquelas com déficits severos na comunicação verbal e necessidades de suporte substancial (Níveis 2 e 3), enfrentam barreiras significativas na expressão de suas necessidades, desejos e desconfortos (American Psychiatric Association [APA], 2013). A agressividade nesse grupo pode ser multifatorial, incluindo:

 

·         Dificuldade de Comunicação: A incapacidade de comunicar efetivamente frustrações, dor, desconforto, medo ou o desejo por algo pode levar a um acúmulo de tensão que, não podendo ser verbalizada, explode em comportamento agressivo (Schopler & Mesibov, 1995).

 

·         Sobrecarga Sensorial: O TEA frequentemente envolve disfunções no processamento sensorial. Sons altos, luzes intensas, texturas específicas ou cheiros podem ser avassaladores e percebidos como ameaças ao sistema nervoso, disparando uma resposta de estresse extremo (Miller et al., 2001).

 

·         Rigidez de Rotina e Intolerância à Mudança: Indivíduos com TEA frequentemente dependem de rotinas previsíveis. Mudanças inesperadas podem ser perturbadoras e gerar ansiedade intensa, levando a explosões de agressividade como forma de tentar restaurar o controle ou expressar angústia (Baron-Cohen, 2008).

 

·         Dificuldades de Regulação Emocional: A capacidade de reconhecer, compreender e gerenciar emoções é frequentemente prejudicada no TEA. Emoções intensas podem rapidamente escalar para comportamentos desregulados, incluindo agressão, na ausência de estratégias adaptativas de enfrentamento (Maj & Calderoni, 2009).

 

·         Demanda Cognitiva e Social Excessiva: Pedidos que excedem a capacidade de processamento ou compreensão da criança, ou situações sociais complexas, podem ser percebidos como ameaçadoras ou incontroláveis, induzindo uma resposta de luta.

 

Nesses cenários, a agressividade não é necessariamente uma intenção de causar dano, mas uma tentativa desesperada de se comunicar ou de se proteger contra o que é percebido como uma ameaça ou uma situação insuportável, em um contexto de recursos limitados para lidar com o estresse.

 

4. Análise Comparativa: Cérebro Reptiliano e Agressividade no TEA

 

A ponte entre os mecanismos primitivos do cérebro reptiliano e as manifestações de agressividade em crianças autistas não verbais de níveis 2 e 3 pode ser estabelecida através da hipótese de que, nesses indivíduos, a modulação do neocórtex sobre as respostas instintivas está comprometida ou subdesenvolvida.

 

Em um cérebro neurotípico, uma ameaça percebida ativa o sistema reptiliano, mas o córtex pré-frontal avalia a situação, contextualiza o perigo e permite uma resposta mais ponderada. Por exemplo, se uma criança neurotípica não obtém o que quer, ela pode chorar, negociar ou verbalizar sua frustração. Em contraste, para uma criança autista não verbal com dificuldades significativas de processamento e comunicação:

 

·         Percepção de Ameaça Aprimorada: Dada a hipersensibilidade sensorial e a rigidez cognitiva, estímulos que seriam neutros para neurotípicos (um barulho inesperado, a interrupção de uma atividade preferida, uma mudança na disposição do ambiente) podem ser interpretados como ameaças significativas, disparando o alarme do cérebro reptiliano.

 

·         Dificuldade de Modulação Cortical: As funções executivas, que incluem a flexibilidade cognitiva, o planejamento e a inibição de respostas impulsivas (funções primariamente neocorticais), são frequentemente atípicas no TEA (Hill, 2004). Isso pode significar que o "freio" cortical sobre as respostas instintivas de luta ou fuga é menos eficaz.

 

·         Falta de Rotas Comunicativas Alternativas: Quando o cérebro reptiliano dispara a resposta de luta, um indivíduo neurotípico pode ter a capacidade de "desabafar" verbalmente ou buscar ajuda. Crianças não verbais não possuem essa válvula de escape, levando o acúmulo de ativação fisiológica a se manifestar fisicamente através da agressão. O comportamento agressivo, nesse contexto, torna-se a única "voz" disponível para a criança em seu estado de emergência.

 

·         "Não Obter o Que Querem": Quando uma criança autista não verbal não obtém o que quer, isso pode ser interpretado como uma perda de controle, uma interrupção inaceitável de uma expectativa (rigidez cognitiva) ou uma frustração que não pode ser processada ou comunicada de forma adaptativa. A resposta primitiva de luta (agressão) surge como uma tentativa de forçar o ambiente a ceder ou de remover o estímulo aversivo.

 

Assim, a agressividade observada pode ser vista como uma manifestação direta da resposta de luta, exacerbada pela incapacidade de comunicação e pelas disfunções na modulação cortical, deixando o cérebro reptiliano em um estado de "alerta" mais frequente e com menor inibição.

 

5. Implicações para Intervenção e Manejo

 

Compreender a agressividade em crianças autistas não verbais de níveis de suporte 2 e 3 como uma manifestação de mecanismos de luta ou fuga tem implicações profundas para as estratégias de intervenção (Fell et al., 2004):

 

·         Foco na Prevenção de Gatilhos: Identificar e minimizar os gatilhos sensoriais, ambientais e sociais que podem ativar a resposta de luta ou fuga é fundamental. Isso inclui a criação de ambientes previsíveis e sensorialmente amigáveis, e a antecipação de mudanças.

 

·         Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA): Fornecer e ensinar formas eficazes de comunicação alternativa (por exemplo, PECS - Picture Exchange Communication System, dispositivos de comunicação de alta tecnologia) pode dar à criança uma "voz" para expressar suas necessidades e frustrações, diminuindo a necessidade de recorrer à agressão.

 

·         Ensino de Habilidades de Autorregulação: Desenvolver estratégias para que a criança possa gerenciar a sobrecarga sensorial e emocional, como técnicas de respiração, acesso a espaços calmos, ou atividades sensoriais que ajudem a organizar o sistema nervoso.

 

·         Intervenções Baseadas no Trauma (Trauma-Informed Care): Abordar o comportamento agressivo não como mera desobediência, mas como uma possível resposta a um estado de estresse extremo e sensação de ameaça, mesmo que inconsciente. Isso promove uma abordagem mais empática e menos punitiva.

 

·         Colaboração Multiprofissional: Ações coordenadas entre pais, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psicólogos e educadores são essenciais para criar um plano de suporte coeso que aborde as necessidades complexas da criança.

 

6. Considerações Finais

 

A agressividade em crianças autistas não verbais de níveis de suporte 2 e 3 é um comportamento complexo e multifacetado. A análise através da lente do cérebro reptiliano e seus mecanismos de luta ou fuga oferece uma perspectiva valiosa, sugerindo que essas manifestações podem ser interpretadas como respostas primitivas de autoproteção, desencadeadas por dificuldades na comunicação, processamento sensorial e regulação emocional.

 

Ao reconhecer que essas crianças podem estar em um estado crônico de "alerta" devido às suas particularidades neurobiológicas e à falta de recursos para expressar suas necessidades, podemos mudar o foco das intervenções de uma perspectiva punitiva para uma abordagem mais preventiva e capacitadora. O objetivo não é apenas suprimir o comportamento agressivo, mas entender sua função como uma forma de comunicação e equipar a criança com ferramentas mais adaptativas para navegar em seu mundo, promovendo assim sua qualidade de vida e bem-estar. Pesquisas futuras devem aprofundar os estudos neurobiológicos que sustentam essa hipótese, bem como a eficácia de intervenções baseadas nela.

 

7. Referências

 

American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed.). American Psychiatric Publishing.

Baron-Cohen, S. (2008). Autism and Asperger syndrome. Oxford University Press.

Fell, J., Elger, C. E., & Kurthen, M. (2004). Do neural correlates of consciousness cause conscious states? Medical Hypotheses, 63(2), 367–369. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15236805/

Friedman, G., Turk, K. W., & Budson, A. E. (2023). The current of consciousness: Neural correlates and clinical aspects. Current Neurology and Neuroscience Reports, 23(7), 345–352. https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC10287796/

Hill, E. (2004). Executive dysfunction in autism. Trends in Cognitive Sciences, 8(1), 26–32. https://doi.org/10.1016/j.tics.2003.11.003

Kolstad, S., Schjølberg, S., Myhre, A. M., & Lydersen, S. (2012). Aggression in children with autism spectrum disorders: An overview. Research in Autism Spectrum Disorders, 6(3), 1198–1206. https://doi.org/10.1177/1362361313518995

LeDoux, J. E. (2015). Anxious: Using the brain to understand and treat fear and anxiety. Viking.

MacLean, P. D. (1990). The triune brain in evolution: Role in paleocerebral functions. Plenum Press.

Maj, M., & Calderoni, S. (2009). Autism spectrum disorders: A review. World Psychiatry, 8(2), 77–84. https://jamanetwork.com/journals/jama/article-abstract/2800182

McCabe, R., & MacCallum, J. (2008). Autism and aggression. Psychology & Health, 23(2), 195–207.

Miller, L. J., Anzalone, M. E., Lane, S. J., Cermak, S. A., & Osten, E. T. (2001). The short sensory profile: A model for quantifying sensory processing abnormalities in children with autism. Journal of Autism and Developmental Disorders, 3(2), 165–179.

Schopler, E., & Mesibov, G. B. (Eds.). (1995). Learning and cognition in autism. Plenum Press.

 

Cómo citar: 
	
Pereira da Silva, A. & Agrela Rodrigues, F. (2025). Luta ou Fuga no Espectro Autista: Uma Análise Comparativa dos Mecanismos Primitivos do Cérebro Reptiliano e a Agressividade em Crianças Não Verbais de Níveis de Suporte 2 e 3. Revista Internacional de Ciencias Sociales, 4(2), e726. https://doi.org/10.57188/RICSO.2025.726